quinta-feira, 18 de outubro de 2012

ORGANIZAÇÃO DO ESPIRITISMO (Revista Espírita, dezembro de 1861)

ORGANIZAÇÃO DO ESPIRITISMO (Revista Espírita, dezembro de 1861) 1. Até o presente, embora muito numerosos, os espíritas se têm disseminado por todos os países, o que não é um dos caracteres menos salientes da Doutrina. Como uma semente levada pelo vento, ela fixou raízes em todos os pontos do globo, prova evidente de que sua propagação não é efeito de uma camarilha, nem de uma influência local e pessoal. A princípio isolados, os adeptos se surpreenderam hoje com seu número, e como a similitude de ideias inspira o desejo de aproximação, procuram reunir-se e fundar sociedades. Assim, de toda parte nos pedem instruções a propósito, manifestando o desejo de união à Sociedade central de Paris. É, pois, chegado o momento de nos ocuparmos do que se pode chamar a organização do Espiritismo. Sobre a formação das sociedades espíritas, o Livro dos Médiuns (2.ª edição) contém observações importantes, às quais remetemos os interessados, pedindo-lhes que meditem com cuidado. Diariamente a experiência vem confirmar-lhes a justeza, que lembraremos de modo sucinto, acrescentando instruções mais circunstanciadas. 2. Inicialmente falemos dos adeptos ainda isolados em meio a uma população hostil ou ignorante das ideias novas. Diariamente recebemos cartas de pessoas que estão neste caso e que perguntam o que podem fazer na ausência de médiuns e de coparticipantes do Espiritismo. Eles estão na situação em que, apenas há um ano, se achavam os primeiros espíritas dos mais numerosos centros de hoje. Pouco a pouco multiplicaram-se os adeptos e há cidades onde praticamente se contaram por unidades isoladas, mas hoje o são por centenas e milhares. Em breve dar-se-á o mesmo em toda parte. É uma questão de paciência. Quanto ao que devem fazer, é muito simples. A princípio podem trabalhar por conta própria e penetrar-se da doutrina pela leitura e meditação das obras especiais. Quanto mais se aprofundarem, mais verdades consoladoras descobrirão, confirmadas pela razão. Em seu isolamento, devem julgar-se felizes por terem sido os primeiros favorecidos. Mas se se limitassem a colher na Doutrina uma satisfação pessoal, seria uma espécie de egoísmo. Em razão de sua própria posição, têm uma bela e importante missão a cumprir: a de espalhar a luz em seu redor. Os que aceitarem essa missão e não se deixarem deter pelas dificuldades, serão largamente recompensados pelo sucesso e pela satisfação de haver feito uma coisa útil. Sem dúvida encontrarão oposição. Serão motivo da troça e dos sarcasmos dos incrédulos, e mesmo da malevolência das pessoas interessadas em combater a doutrina, mas onde estaria o mérito se não houvesse obstáculos a vencer? Assim, aos que fossem detidos pelo medo pueril do que diriam, nada temos a dizer, nenhum conselho a dar. Mas aos que têm a coragem de sua opinião, e que estão acima das mesquinhas considerações mundanas, diremos que o que têm a fazer se limita a falar abertamente do Espiritismo, sem afetação, como de uma coisa muito simples e muito natural, sem pregá-la, e sobretudo sem buscar nem forçar convicções, nem fazer prosélitos a todo custo. O Espiritismo não deve ser imposto. Vem-se a ele porque dele se necessita, e porque ele dá o que não dão as outras filosofias. Convém mesmo não entrar em explicações com os incrédulos obstinados, pois seria dar-lhes muita importância e levá-los a pensar que se depende deles. Os esforços que se façam para atraí-los afastam-nos, e, por amor-próprio, eles resistem na sua oposição. Eis por que é inútil perder tempo com eles. Quando a necessidade se fizer sentir, virão por si mesmos. Enquanto se espera, é preciso deixá-los tranquilos, satisfeitos no seu ceticismo que, acreditai, muitas vezes lhes pesa mais do que eles gostariam de deixar transparecer, porque, por mais que digam em contrário, a ideia do nada após a morte tem algo de mais apavorante, de mais pungente que a própria morte. Ao lado dos trocistas se encontrarão pessoas que irão perguntar: “Que é isto?” Esforçai-vos, então, para satisfazê-las, proporcionando-lhes explicações conforme as disposições que neles encontrardes. Quando se fala do Espiritismo em geral, é preciso considerar as palavras que se pronunciam como grãos lançados a esmo. Muitos caem nas pedras e nada produzem, mas se um único tiver caído em terra fértil, considerai-vos felizes. Cultivai-o e ficai certos de que essa planta, frutificando, terá renovos. Para alguns adeptos a dificuldade é responder a certas objeções. A leitura atenta das obras lhes fornecerá os meios, mas sobretudo poderão servir-se, com esse objetivo, da brochura que vamos publicar sob o título de: Refutação das críticas contra o Espiritismo, do ponto de vista materialista, científico e religioso. 3. Falemos agora da organização do Espiritismo nos centros já numerosos. O aumento incessante dos adeptos demonstra a impossibilidade material de constituir numa cidade, sobretudo numa cidade populosa, uma sociedade única. Além do número, há a dificuldade das distâncias, que é obstáculo para muitos. Por outro lado, é sabido que as grandes reuniões são menos favoráveis às belas comunicações, e que as melhores são obtidas nos pequenos grupos. É necessário, pois, empenhar-se em multiplicar os grupos particulares. Ora, como dissemos, vinte grupos de quinze a vinte pessoas obterão mais e farão mais pela propaganda do que uma sociedade única de quatrocentos membros. Os grupos se formam naturalmente, pela afinidade de gostos, de sentimentos, de hábitos e de posição social. Todos ali se conhecem e, como são reuniões particulares, tem-se liberdade de definir a quantidade e de selecionar os que são admitidos. 4. O sistema da multiplicação dos grupos tem ainda como resultado, conforme o dissemos em várias ocasiões, de impedir os conflitos e as rivalidades por supremacia e presidência. Cada grupo naturalmente é dirigido pelo chefe da casa, ou por aquele que para isso for designado. Não há, a bem dizer, presidente oficial, pois tudo se passa em família. O dono da casa, como tal, tem toda a autoridade para manter a boa ordem. Com uma sociedade propriamente dita, há necessidade de um local especial, de um pessoal administrativo, de um orçamento, numa palavra, uma complicação de engrenagens que a má vontade de alguns dissidentes mal intencionados poderia comprometer. 5. A essas considerações, longamente desenvolvidas no Livro dos Médiuns, adicionaremos uma que é preponderante. O Espiritismo ainda não é visto com bons olhos por todo o mundo. Dentro em pouco compreender-se-á que é de todo o interesse favorecer uma crença que torna os homens melhores é uma garantia da ordem social. Mas, até que estejam convencidos de sua benéfica influência sobre o espírito das massas e de seus efeitos moralizadores, os adeptos devem esperar que, seja por ignorância do verdadeiro objetivo da doutrina, seja em vista do interesse pessoal, lhe suscitarão embaraços. Não serão apenas ridicularizados, mas, quando se quebrarem as armas do ridículo, serão caluniados. Serão acusados de loucura, de charlatanismo, de irreligião, de feitiçaria, a fim de contra eles incitar o fanatismo. De loucura! Sublime loucura esta que faz crer em Deus e no futuro da alma! Para os que em nada creem, é de fato uma loucura acreditar na comunicação entre mortos e vivos, loucura que faz a volta ao mundo e atinge os homens mais eminentes. De charlatanismo! Eles têm uma resposta peremptória: o desinteresse, pois o charlatanismo jamais é desinteressado. De irreligião! Eles que, desde que se tornaram espíritas, são mais religiosos do que antes. De feitiçaria e comércio com o diabo! Eles, que negam a existência do diabo e só reconhecem a Deus como senhor onipotente, soberanamente justo e bom. Singulares feiticeiros estes que renegariam o seu senhor e agiriam em nome de seu antagonista! Na verdade, o diabo não deveria estar contente com seus adeptos. Mas as boas razões são a menor preocupação dos que querem travar discussões. Quando alguém quer matar seu cão, diz que ele está raivoso. Felizmente a Idade Média lança os últimos e pálidos clarões sobre o nosso século. Como o Espiritismo lhe vem dar o golpe de misericórdia, não é de admirar vê-la tentar um supremo esforço. Mas, tenhamos certeza, a luta não será longa. Contudo, que a certeza da vitória não nos torne imprudentes, porque uma imprudência poderia, senão comprometer, pelo menos retardar o sucesso. Por esses motivos, a constituição de sociedades numerosas talvez encontrasse obstáculos em certas localidades, ao passo que o mesmo não ocorreria com as reuniões familiares. 6. Acrescentemos mais uma consideração. As sociedades propriamente ditas estão sujeitas a numerosas vicissitudes; mil causas, dependentes ou não de sua vontade, podem conduzi-la à dissolução. Suponhamos que uma sociedade espírita tenha reunido todos os adeptos de uma mesma cidade e que, por uma circunstância qualquer, deixe de existir. Eis os membros dispersos e desorientados. Agora, se em vez disto houver cinquenta grupos, se alguns desaparecerem sempre restarão outros, e outros se formarão. São outras tantas plantas vivazes que brotam, apesar de tudo. Não tenhais num campo somente uma grande árvore, pois um raio pode abatê-la. Tende cem, e o mesmo raio não atingiria todas, e quanto menores, menos expostas estarão. Assim, tudo milita em favor do sistema que propomos; quando um primeiro grupo, fundado em qualquer parte, se tornar muito numeroso, que faça como as abelhas: que enxames saídos da colmeia-mãe fundem novas colmeias que por sua vez formarão outras. Serão outros tantos centros de ação irradiando em seu respectivo círculo, mais poderosos para a propaganda do que uma Sociedade única. 7. A formação dos grupos estando, pois, admitida em princípio, muitas questões importantes restam para examinar. A primeira de todas é a uniformidade na doutrina. Essa uniformidade não seria melhor garantida por uma Sociedade compacta, pois os dissidentes sempre teriam facilidade de se retirar, formando grupo à parte. Quer a sociedade seja una ou fracionada, a uniformidade será a consequência natural da unidade de base que os grupos adotarem. Ela será completa em todos os grupos que seguirem a linha traçada pelo Livro dos Espíritos e o Livro dos Médiuns. Um contém os princípios da filosofia da ciência; o outro, as regras da parte experimental e prática. Essas obras estão escritas com bastante clareza para não dar lugar a interpretações divergentes, condição essencial de toda nova doutrina. Até o presente essas obras servem de regulador à imensa maioria dos espíritas, e por toda parte são acolhidas com inequívoca simpatia. Os que delas quiseram afastar-se puderam reconhecer, por seu isolamento e pelo decrescente número de seus partidários, que não tinham a seu favor a opinião geral. Tal assentimento, dado pelo maior número, tem grande valor. É um julgamento que não poderia ser suspeito de influência pessoal, desde que espontâneo e declarado por milhares de pessoas que nos são completamente desconhecidas. Uma prova desse assentimento é que nos pediram para traduzi-las para diversas línguas: espanhol, inglês, português, alemão, italiano, polonês, russo e até tártaro. Sem presunção podemos, pois, recomendar o seu estudo e a sua prática nas diversas reuniões espíritas, e isto com tanto mais razão quanto são as únicas, até o momento, em que a ciência é tratada de maneira completa. Todas as que foram publicadas sobre a matéria apenas abordaram alguns pontos isolados da questão. Aliás, não temos absolutamente a pretensão de impor as nossas ideias. Emitimo-las por ser direito nosso. Que as adotem aqueles a quem elas convêm. Os demais têm o direito de rejeitá-las. As instruções que damos são, pois, e naturalmente, para os que marcham conosco; para os que nos honram com o título de seu chefe espírita e de modo algum pretendemos regulamentar os que querem seguir outra via. Entregamos a doutrina que professamos à apreciação geral. Ora, temos encontrado muitos aderentes para nos dar confiança e nos consolar de algumas dissidências isoladas. Aliás, o futuro será o juiz em última instância. Com os homens atuais desaparecerão, pela força das coisas, as susceptibilidades do amor-próprio ferido, as causas de ciúme, de ambição e de frustração de esperanças materiais. Não mais considerando as pessoas, ver-se-á apenas a doutrina, e o julgamento será imparcial. Quais as ideias novas que, no seu aparecimento, não tiveram seus contraditores mais ou menos interessados? Quais os propagadores dessas ideias que não foram alvo dos ataques da inveja, sobretudo se o sucesso lhes coroou os esforços? Mas voltemos ao nosso assunto. 8. O segundo ponto é a constituição dos grupos. Uma das primeiras condições é a homogeneidade, sem a qual não haveria comunhão de pensamento. Uma reunião não pode ser estável, nem séria, se não houver simpatia entre os componentes. E não pode haver simpatia entre pessoas que têm ideias divergentes e que fazem uma oposição surda, quando não aberta. Longe de nós com isso dizer que seja necessário abafar a discussão, porque, ao contrário, recomendamos o exame escrupuloso de todas as comunicações e de todos os fenômenos. Fica, pois, bem entendido que cada um pode e deve emitir sua opinião, mas há pessoas que discutem para impor a sua e não para esclarecer. É contra o espírito de oposição sistemática que nos levantamos; contra as ideias preconcebidas que não cedem nem mesmo ante a evidência. Tais pessoas incontestavelmente são uma causa de perturbação que é preciso evitar. A este respeito, as reuniões espíritas estão em condições excepcionais. O que elas requerem, acima de tudo, é o recolhimento. Ora, como estar recolhido se a cada momento a gente é distraída por uma polêmica acrimoniosa? Se reina entre os assistentes um sentimento de azedume e quando se sente em torno de si, seres que sabemos hostis e em cujo rosto se lê o sarcasmo e o desdém por tudo quanto não está de acordo com a sua opinião? 9. No Livro dos Médiuns (nº 28) traçamos o caráter das principais variedades de espíritas; sendo tal distinção importante para o assunto que nos ocupa, julgamos dever lembrá-la. Pode-se pôr em primeira linha os que acreditam pura e simplesmente nas manifestações. Para eles o Espiritismo é apenas uma ciência de observação, uma série de fatos mais ou menos curiosos; a filosofia e a moral são acessórios de que pouco se ocupam e cujo alcance não os preocupa. Chamamo-los espíritas experimentadores. Vêm a seguir os que veem no Espiritismo algo além dos fatos. Compreendem o seu alcance filosófico; admiram a moral dele decorrente, mas não a praticam; extasiam-se ante as belas comunicações, como ante um sermão eloquente que ouvem, mas do qual não tiram proveito. A influência sobre o seu caráter é insignificante ou nula. Em nada mudam seus hábitos e não se privam de nenhum prazer: o avarento é sempre sovina, o orgulhoso sempre cheio de si, o invejoso e o ciumento sempre hostis. Para eles a caridade cristã é apenas uma bela máxima e os bens deste mundo prevalecem, em sua estima, sobre os do futuro. São os espíritas imperfeitos. Ao lado destes há outros, mais numerosos do que se pensa, que não se limitam a admirar a moral espírita, mas que a praticam e a aceitam em todas as suas consequências. Convencidos de que a existência terrena é uma prova passageira, tratam de aproveitar estes curtos instantes para avançar na via do progresso, esforçando-se por fazer o bem e reprimir suas más inclinações. Suas relações são sempre seguras, porque a convicção os afasta de todo mau pensamento. Em tudo a caridade é sua regra de conduta. São os verdadeiros espíritas, ou melhor, os espíritas cristãos. 10. Se bem compreendido o que precede, compreender-se-á também que um grupo formado exclusivamente por elementos desta última classe estaria nas melhores condições, porque somente entre praticantes da lei de amor e de caridade é que se pode estabelecer uma séria ligação fraternal. Entre homens para quem a moral é mera teoria, a união não seria durável. Como eles não impõem nenhum freio ao orgulho, à ambição, à vaidade e ao egoísmo, não o imporão, também, às suas palavras; quererão ser os primeiros, quando deveriam diminuir-se; irritar-se-ão com as contradições e não terão escrúpulos em semear a perturbação e a discórdia. Entre verdadeiros espíritas, ao contrário, reina um sentimento de confiança e de benevolência recíproca. Nesse meio simpático é possível sentir-se à vontade, ao passo que há constrangimento e ansiedade num ambiente misto. 11. Isto está na natureza das coisas e nada inventamos a respeito. Daí se segue que na formação de grupos deva exigir-se a perfeição? Seria simplesmente absurdo, pois seria querer o impossível, e nessas condições ninguém poderia pretender dele fazer parte. Tendo por objetivo a melhora dos homens, o Espiritismo não vem procurar os perfeitos, mas os que se esforçam em tornar-se perfeitos pondo em prática os ensinos dos Espíritos. O verdadeiro espírita não é o que alcançou a meta, mas o que seriamente quer atingi-la. Sejam quais forem os seus antecedentes, será bom espírita desde que reconheça suas imperfeições e seja sincero e perseverante no propósito de emendar-se. Para ele o Espiritismo é uma verdadeira regeneração, porque ele rompe com o seu passado. Indulgente para com os outros, como quereria que fossem para consigo, de sua boca não sairá nenhuma palavra malévola nem cortante contra ninguém. Aquele que, numa reunião, se afastasse das conveniências, não só provaria uma falta de cortesia e de urbanidade, mas uma falta de caridade. Aquele que se chocasse com a contradição e pretendesse impor a sua personalidade ou as suas ideias, daria prova de orgulho. Ora, nem um nem outro estariam no caminho do verdadeiro Espiritismo, isto é, do Espiritismo cristão. Aquele que pensa ter uma opinião mais justa que os outros, poderá fazê-la mais bem aceita pela doçura e pela persuasão. O azedume, de sua parte, seria uma péssima opção. 12. A simples lógica demonstra, pois, a quem quer que conheça as leis do Espiritismo, quais os melhores elementos para a composição dos grupos realmente sérios, e não hesitamos em dizer que são estes que têm a maior influência na propagação da doutrina. Pela consideração com que são dirigidos, e pelo exemplo que dão de suas consequências morais, provam a sua gravidade e impõem silêncio à troça que, quando se contrapõe ao bem, é mais do que ridícula, porque é odiosa. Mas que quereis que pense um crítico incrédulo que assiste a experiências cujos assistentes são os primeiros a considerá-la um brinquedo? Dela sai ainda mais incrédulo do que entrou. 13. Acabamos de indicar a melhor composição dos grupos; mas a perfeição não é mais possível nos conjuntos do que nos indivíduos; nós indicamos o objetivo e dizemos que quanto mais nos aproximarmos dele, mais satisfatórios serão os resultados. Por vezes pode-se ser dominado pelas circunstâncias, mas é para subtrai-se aos obstáculos que se devem direcionar todos os cuidados. Infelizmente, quando um grupo é criado, não se é suficientemente rigoroso na escolha, porque, antes de tudo, se quer formar um núcleo; para nele ser admitido, quase sempre basta um simples desejo ou uma adesão qualquer às ideias mais gerais do Espiritismo. Mais tarde, percebe-se que se foi demasiado fácil. 14. Num grupo sempre há o elemento estável e o flutuante. O primeiro é composto de pessoas assíduas, que formam a base; o segundo, das que são admitidas temporária e acidentalmente. É à composição do elemento estável que é essencial prestar escrupulosa atenção, e neste caso não se deve hesitar em sacrificar a quantidade à qualidade, porque é ele que impulsiona e serve de regulador. O elemento flutuante é menos importante, porque se tem liberdade de modificá-lo à vontade. Não se deve perder de vista que as reuniões espíritas, como aliás todas as reuniões em geral, têm as fontes de sua vitalidade na base sobre as quais se assentam. Neste particular, tudo depende do ponto de partida. Aquele que tem a intenção de organizar um grupo em boas condições deve, antes de tudo, assegurar-se do concurso de alguns adeptos sinceros, que levem a doutrina a sério e cujo caráter conciliatório e benevolente seja conhecido. Formado esse núcleo, ainda que de três ou quatro pessoas, se estabelecerá regras precisas, quer para as admissões, quer para a realização de sessões e para a ordem dos trabalhos, regras às quais os recém-vindos terão que se conformar. Essas regras podem sofrer modificações conforme as circunstâncias, mas há algumas que são essenciais. 15. Sendo a unidade de princípios um dos pontos essenciais, ela não pode existir naqueles que, não tendo estudado, não podem ter opinião formada. A primeira condição a impor se não se quiser distrair a cada instante por objeções ou por questões inúteis é, portanto, o estudo prévio. A segunda é uma profissão de fé categórica e uma adesão formal à doutrina do Livro dos Espíritos, além de outras condições especiais julgadas convenientes. Isto quanto aos membros titulares e dirigentes; para os ouvintes, que geralmente vêm para adquirir um pouco mais de conhecimentos e de convicção, pode-se ser menos rigoroso; contudo, como existem os que poderiam causar perturbação com observações fora de propósito, é importante assegurar-se de suas disposições. É necessário sobretudo, e sem exceção, afastar os curiosos e quem quer que seja atraído por motivo frívolo. 16. A ordem e a regularidade dos trabalhos são igualmente essenciais. Consideramos eminentemente útil abrir cada sessão pela leitura de algumas passagens do Livro dos Médiuns e do Livro dos Espíritos. Por esse meio ter-se-ão sempre presentes à memória os princípios da ciência e os meios de evitar os escolhos encontrados a cada passo na prática. Assim, a atenção se fixará sobre muitos pontos que por vezes escapam numa leitura particular e poderão dar lugar a comentários e discussões instrutivas, das quais os próprios Espíritos poderão participar. Não é menos necessário recolher em pastas todas as comunicações recebidas, por ordem de data, com indicação do médium que serviu de intermediário. Esta última referência é útil para o estudo do gênero da faculdade de cada um. Muitas vezes, porém, acontece que tais comunicações são esquecidas, tornando-se letra morta. Isto desencoraja os Espíritos que as haviam dado visando a instrução dos assistentes. É essencial, pois, fazer uma coletânea das mais instrutivas e lê-las de tempos em tempos. Muitas vezes essas comunicações são de interesse geral e não são dadas pelos Espíritos apenas para a instrução de uns poucos e para serem abandonadas nos arquivos. Assim, é útil que sejam levadas ao conhecimento de todos, pela publicidade. Examinaremos esta questão em artigo no próximo número, indicando o modo mais simples, o mais econômico e ao mesmo tempo o mais próprio para alcançar o objetivo. 17. Como se vê, nossas instruções se dirigem exclusivamente aos grupos formados por elementos sérios e homogêneos; aos que querem seguir a rota do Espiritismo moral, visando o progresso de cada um, objetivo essencial e único da doutrina; enfim, aos que nos querem mesmo aceitar por guia e levar em conta os conselhos de nossa experiência. É incontestável que um grupo formado nas condições indicadas funcionará com regularidade, sem entraves e de maneira proveitosa. O que um grupo pode fazer, outros também o podem. Suponhamos, então, numa cidade, um número qualquer de grupos constituídos nas mesmas bases; haverá necessariamente entre eles unidade de princípios, pois seguem a mesma bandeira; união simpática, pois têm por máxima amor e caridade; são, numa palavra, os membros de uma mesma família, entre os quais não poderia ter concorrência, nem rivalidade de amor-próprio, se estão todos animados dos mesmos sentimentos para o bem. 18. Entretanto, seria útil que houvesse entre eles um ponto de ligação, um centro de ação. Conforme as circunstâncias e as localidades, os diversos grupos, pondo de lado questões pessoais, poderiam designar para isto aquele que, por sua posição e sua importância relativa, fosse o mais apto para dar ao Espiritismo um impulso salutar. Conforme a necessidade, e se fosse preciso evitar susceptibilidades, um grupo central, formado de delegados de todos os grupos, tomaria o nome de grupo diretor. Na impossibilidade de nos correspondermos com todos, com este teríamos relações mais diretas. Também poderíamos, em certos casos, designar uma pessoa encarregada mais especialmente para nos representar. Sem prejuízo das relações que se estabelecerão pela força das coisas, entre os grupos de uma mesma cidade que trilham caminhos idênticos, uma assembleia geral anual poderia reunir os espíritas dos diversos grupos numa festa familiar, que seria, ao mesmo tempo, a festa do Espiritismo. Seriam pronunciados discursos e lidas as comunicações mais notáveis, ou as mais apropriadas às circunstâncias. O que é possível entre os grupos de uma mesma cidade, também o é entre os grupos diretores de diversas cidades, desde que entre eles haja comunhão de vistas e de sentimentos, isto é, desde que possam manter relações recíprocas. Indicaremos os meios para isto, quando falarmos do modo de publicidade. 19. Como se vê, tudo isto é de execução muito simples e sem engrenagens complicadas, mas tudo depende do ponto de partida, isto é, da composição dos grupos primitivos. Se eles forem constituídos por bons elementos, serão outras tantas boas raízes que darão bons renovos. Se, ao contrário, forem formados por elementos heterogêneos e antipáticos; por espíritas duvidosos, mais ocupados com a forma do que com o fundo, que consideram a moral como parte acessória e secundária, há que esperar polêmicas irritantes e sem saída; pretensões pessoais; choques de susceptibilidades e, em consequência, conflitos precursores da desorganização. Entre verdadeiros espíritas, tais quais os definimos, que veem o objetivo essencial do Espiritismo na moral, que é a mesma para todos, haverá sempre abnegação da personalidade, condescendência e benevolência e, por conseguinte, segurança e estabilidade nas relações. Eis por que temos insistido tanto sobre as qualidades fundamentais. 20. Talvez digam que estas severas restrições constituem um obstáculo à propagação; é um erro. Não acrediteis que abrindo a porta ao primeiro que aparecer fareis mais prosélitos. A experiência aí está para mostrar o contrário. Seríeis assaltados por uma multidão de curiosos e indiferentes, que ali viriam como para um espetáculo. Ora, os curiosos e os indiferentes são embaraços e não auxiliares. Quanto aos incrédulos por sistema ou por orgulho, por mais que lhes mostreis, não tratarão disso senão com zombaria, porque não o compreenderão e não querem dar-se ao trabalho de compreender. Já o dissemos, e não seria demais repetir, que a verdadeira propagação, a que é útil e frutífera, é feita pelo ascendente moral das reuniões sérias. Se houvessem acontecido apenas reuniões desse tipo, os espíritas seriam ainda mais numerosos, porque, é bom que se diga, muitos foram desviados da doutrina porque só assistiram a reuniões fúteis, sem ordem e sem seriedade. Sede, pois, sérios, na plena acepção da palavra, e as pessoas sérias virão a vós. São esses os melhores propagadores, porque falam com convicção e tanto pregam pelo exemplo quanto pela palavra. 21. Do caráter essencialmente sério das reuniões não se deve inferir que se tenha de proscrever sistematicamente as manifestações físicas. Como dissemos no Livro dos Médiuns (nº. 326), elas são de incontestável utilidade, do ponto de vista do estudo dos fenômenos e para a convicção de certas pessoas. No entanto, para obter-se proveito sob esse duplo ponto de vista, há que excluir-se todo pensamento frívolo. Uma reunião que possuísse um bom médium de efeitos físicos e que se ocupasse desse gênero de manifestações com ordem, método e seriedade, cuja condição moral oferecesse toda a garantia contra o charlatanismo e a fraude, não só poderia obter coisas notáveis, do ponto de vista fenomênico, mas produziria o bem em abundância. Assim, aconselhamos a não desprezar esse gênero de experiência, desde que se disponha de médiuns adequados e para tanto se organizem sessões especiais, independentes daquelas dedicadas a comunicações morais e filosóficas. Os médiuns poderosos dessa categoria são raros, mas há fenômenos que, embora mais vulgares, não são menos interessantes e concludentes porque provam, de maneira evidente, a independência do médium. Deste número, são as comunicações pela tiptologia alfabética que às vezes dão os mais imprevistos resultados. A teoria desses fenômenos é necessária para que se compreenda a maneira pela qual se operam, pois é raro que levem uma convicção profunda aos que não os compreendem. Ela tem, além disso, a vantagem de dar a conhecer as condições normais em que esses fenômenos podem produzir-se, e, consequentemente, de evitar as tentativas inúteis e de permitir que se descubra a fraude, caso ocorra em qualquer parte. Equivocaram-se supondo que fôssemos sistematicamente contrário às manifestações físicas. Preconizamos e preconizaremos sempre as comunicações inteligentes, sobretudo as que têm alcance moral e filosófico, porque só elas tendem para o objetivo essencial e definitivo do Espiritismo. Quanto às outras, jamais lhes contestamos a utilidade, mas nos levantamos contra o deplorável abuso que delas fazem, ou que podem fazer; contra a exploração feita pelo charlatanismo; contra as más condições em que são realizadas as mais das vezes, e que se prestam ao ridículo. Dissemos e repetimos que as manifestações físicas são o começo da ciência e que não se avança ficando no á-bê-cê; que se o Espiritismo não tivesse saído das mesas girantes, não teria crescido como cresceu, e que talvez hoje nem mais se falasse dele. Eis por que nos esforçamos por fazê-lo entrar na via filosófica, certo de que então, dirigindo-se mais à inteligência do que aos olhos, tocaria o coração e deixaria de ser um modismo. É com esta única condição que poderia fazer a volta ao mundo e implantar-se como doutrina. Ora, o resultado ultrapassou, e de muito, a nossa expectativa. Às manifestações físicas só damos uma importância relativa e não absoluta. Aí está o nosso erro, aos olhos de certas pessoas que delas fazem uma ocupação exclusiva e nada mais veem. Se delas não nos ocupamos pessoalmente é porque nada de novo nos ensinariam e porque temos coisas mais essenciais a fazer. Longe de censurar os que delas se ocupam, ao contrário, encorajamo-los, desde que o façam em condições realmente proveitosas. Sempre que conhecermos reuniões desse gênero, dignas de confiança, seremos os primeiros a recomendá-las à atenção dos novos adeptos. Tal é, sobre esta questão, a nossa profissão de fé categórica. 22. Dissemos no começo que diversas reuniões espíritas pediram para unir-se à Sociedade de Paris. Usaram até a palavra afiliar; a esse respeito faz-se necessária uma explicação. A Sociedade de Paris foi a primeira a constituir-se regular e legalmente. Por sua posição e pela natureza de seus trabalhos, teve uma grande participação no desenvolvimento do Espiritismo e, em nossa opinião, justifica o título de Sociedade Iniciadora, que lhe deram certos Espíritos. Sua influência moral se fez sentir longe e, embora ela seja numericamente restrita, tem consciência de ter feito mais pela propaganda do que se tivesse aberto suas portas ao público. Formou-se com o único objetivo de estudar e aprofundar a Ciência Espírita. Para isto não necessita de um auditório numeroso nem de muitos membros, pois sabe que a verdadeira propaganda é feita pela influência dos princípios. Como não é movida por qualquer interesse material, um excesso numérico lhe seria mais prejudicial que útil. Assim, com satisfação, ela verá multiplicarem-se ao seu redor as reuniões particulares formadas em boas condições, e com as quais poderia estabelecer relações de confraternidade. Ela não seria coerente com seus princípios, nem estaria à altura de sua missão, se pudesse conceber a sombra da inveja; os que a julgam capaz disto não a conhecem. Estas observações bastam para mostrar que a Sociedade de Paris não poderia ter a pretensão de absorver as outras sociedades que se pudessem formar em Paris ou alhures, com os mesmos procedimentos habituais. A palavra afiliação seria, pois, imprópria, porque suporia uma espécie de supremacia material, a que absolutamente não aspira, e que até teria inconvenientes. Como Sociedade iniciadora e central, pode estabelecer com os outros grupos ou Sociedades relações puramente científicas, mas a isto se limita o seu papel. Ela não exerce qualquer controle sobre essas sociedades, que em nada dependem dela e ficam inteiramente livres para constituir-se como bem o entenderem, sem ter que prestar contas a ninguém, e sem que a Sociedade de Paris tenha que imiscuir-se seja no que for em seus negócios. Assim, as sociedades estrangeiras podem formar-se nas mesmas bases; declarar que adotam os mesmos princípios, sem depender dela senão pela concentração dos estudos e pelos conselhos que lhe podem pedir e que ela terá prazer em dar. Por outro lado, a Sociedade de Paris não se gaba de estar, mais que as outras, ao abrigo das vicissitudes. Se, por assim dizer, as tivesse em suas mãos e se, por uma causa qualquer, cessasse de existir, a falta de um ponto de apoio resultaria em perturbação. Os grupos ou Sociedades devem buscar um ponto de apoio mais sólido que numa instituição humana, necessariamente frágil. Eles devem adquirir sua vitalidade nos princípios da doutrina, que são os mesmos para todas e que a todas sobrevivem, estejam ou não esses princípios representados por uma sociedade constituída. 23. Estando claramente definido o papel da Sociedade de Paris para evitar qualquer equívoco ou falsa interpretação, as relações que estabelecerá com as sociedades estrangeiras são extremamente simplificadas, limitando-se a relações morais, científicas e de mútua benevolência, sem qualquer sujeição. Elas permutarão o resultado de suas observações, quer através de publicações, quer de correspondência. Para que a Sociedade de Paris possa estabelecer essas relações, é preciso necessariamente que ela tenha informações exatas das sociedades estrangeiras que entendem marchar pelo mesmo caminho e adotar a mesma bandeira. Ela então as incluirá na lista de seus correspondentes. Se houver vários grupos numa cidade, serão representados pelo grupo central de que falamos no parágrafo 18. 24. Indicaremos agora alguns trabalhos com os quais as diversas Sociedades poderão colaborar de uma maneira útil; mais tarde indicaremos outros. Sabe-se que os Espíritos, não possuindo todos a soberana ciência, podem encarar certos princípios de um ponto de vista pessoal e, consequentemente, nem sempre estarem de acordo. O melhor critério da verdade está naturalmente na concordância dos princípios ensinados sobre diversos pontos, por Espíritos diferentes e por meio de médiuns estranhos uns aos outros. Assim foi composto o Livro dos Espíritos. Mas ainda restam muitas questões importantes que podem ser resolvidas dessa maneira, e cuja solução terá tanto maior autoridade quanto obtida por uma grande maioria. Assim, a Sociedade de Paris poderá ocasionalmente dirigir perguntas dessa natureza a todos os grupos correspondentes que, através de seus médiuns, pedirão a solução a seus guias espirituais. Outro trabalho consiste nas pesquisas bibliográficas. Existe um grande número de obras antigas e modernas, nas quais se encontram testemunhos mais ou menos diretos em favor das ideias espíritas. Uma coletânea desses testemunhos seria tarefa muito preciosa, mas é quase impossível ser feita por uma só pessoa. Torna-se fácil, ao contrário, se cada um se dispuser a colher alguns elementos em suas leituras e estudos e transmiti-los à Sociedade de Paris, que os coordenará. 25. No estado atual das coisas, esta é a única organização possível do Espiritismo. Mais tarde as circunstâncias poderão modificá-la, mas nada se deve fazer de inoportuno. Já é muito que em tão pouco tempo os adeptos se tenham multiplicado a ponto de conduzir a este resultado. Há nesta simples disposição um panorama que pode estender-se ao infinito, pela própria simplicidade das engrenagens. Não busquemos, pois, complicá-las, com receio de encontrar obstáculos. Os que fizerem a gentileza de testemunhar-nos alguma confiança, podem estar certos de que não os deixaremos para trás e que tudo virá a seu tempo. É somente a esses, como dissemos, que nos dirigimos nestas instruções, sem a pretensão de nos impormos aos que não marcham conosco. Para denegrir, disseram que queríamos fazer escola no Espiritismo. E por que não teríamos esse direito? O Sr. de Mirville não tentou fundar uma escola demoníaca? Por que seríamos obrigados a seguir a reboque deste ou daquele? Não temos o direito de ter uma opinião, formulá-la, publicá-la e proclamá-la? Se ela encontra tão numerosos aderentes, é que aparentemente não a julgam destituída de todo senso comum. Mas aí está nosso erro aos olhos de certas pessoas que não nos perdoam por havermos chegado mais rápido que elas, e sobretudo por termos triunfado. Que isto seja então uma escola, já que assim o querem. Para nós será uma glória escrever em sua fachada: Escola do Espiritismo moral, filosófico e cristão. Para ela convidamos todos os que têm por divisa amor e caridade. Aqueles que se ligam a esta bandeira adquirem todas as nossas simpatias, e o nosso concurso jamais faltará. ALLAN KARDEC

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