O Evangelho Segundo o Espiritismo
Por ALLAN KARDEC – Tradução de José Herculano Pires
1 – E depois que veio para onde estava a gente, chegou a
ele um homem que, posto de joelhos, lhe dizia: Senhor, tem compaixão de meu
filho, que é lunático e padece muito; porque muitas vezes cai no fogo, e muitas
na água. E tenho-o apresentado a teus discípulos, e eles o não puderam curar. E
respondendo Jesus, disse: Ó geração incrédula e perversa, até quando hei de
estar convosco, até quando vos hei de sofrer? Trazei-mo cá. E Jesus o abençoou,
e saiu dele o demônio, e desde àquela hora ficou o moço curado. Então se
chegarão os discípulos a Jesus em particular e lhe disseram: Por que não
pudemos nós lançá-lo fora? Jesus lhes disse: Por causa da vossa pouca fé.
Porque na verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis
a este monte: Passa daqui para acolá, e ele há de passar, e nada vos será
impossível. (Mateus, XVII: 14-19).
2 – É certo
que, no bom sentido, a confiança nas próprias forças torna-nos capazes de
realizar coisas materiais que não podemos fazer quando duvidamos de nós mesmos.
Mas, então, é somente no seu sentido moral que devemos entender estas palavras.
As montanhas que a fé transporta são as dificuldades, as resistências, a má
vontade, em uma palavra, que encontramos entre os homens, mesmo quando se trata
das melhores coisas. Os preconceitos da rotina, o interesse material, o
egoísmo, a cegueira do fanatismo, as paixões orgulhosas, são outras tantas
montanhas que atravancam o caminho dos que trabalham para o progresso da
humanidade. A fé robusta confere a perseverança, a energia e os recursos
necessários para a vitória sobre os obstáculos, tanto nas pequenas quanto nas
grandes coisas. A fé vacilante produz a incerteza, a hesitação, de que se
aproveitam os adversários que devemos combater; ela nem sequer procura os meios
de vencer, porque não crê na possibilidade de vitória.
3 – Noutra
acepção, considera-se fé a confiança que se deposita na realização de
determinada coisa, a certeza de atingir um objetivo. Nesse caso, ela confere
uma espécie de lucidez, que faz antever pelo pensamento os fins que se têm em
vista e os meios de atingi-los, de maneira que aquele que a possui avança, por
assim dizer, infalivelmente. Num e outro caso, ela pode fazer que se realizem
grandes coisas
A fé e verdadeira é sempre calma. Confere a paciência que sabe esperar, porque
estando apoiada na inteligência e na compreensão das coisas, tem a certeza de
chegar ao fim. A fé insegura sente a sua própria fraqueza, e quando estimulada
pelo interesse torna-se furiosa e acredita poder suprir a força com a
violência. A calma na luta é sempre um sinal de força e de confiança, enquanto
a violência, pelo contrário, é prova de fraqueza e de falta de confiança em si
mesmo.
4 – Necessário
guardar-se de confundir a fé com a presunção. A verdadeira fé se alia à
humildade. Aquele que a possui deposita a sua confiança em Deus, mais do quem
em si mesmo, pois sabe que, simples instrumento da vontade de Deus, nada pode
sem Ele. E por isso que os Bons Espíritos vêm em seu auxílio. A presunção é
menos fé do que orgulho, e o orgulho é sempre castigado cedo ou tarde, pela
decepção e os malogros que lhes são infligidos.
5 – O poder da
fé tem aplicação direta e especial na ação magnética. Graças a ela, o homem age
sobre o fluído, agente universal, modifica-lhe a qualidade e lhe dá impulso por
assim dizer irresistível. Eis porque aquele que alia, a um grande poder
fluídico normal, uma fé ardente, pode operar, unicamente pela sua vontade
dirigida para o bem, esses estranhos fenômenos de cura e de outra natureza, que
antigamente eram considerados prodígios, e que entretanto não passam de
conseqüências de uma lei natural. Essa a razão porque Jesus disse aos seus
apóstolos: Se não conseguistes curar, foi por causa de vossa pouca fé.
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