Por Sérgio
Ribeiro
O homem primitivo, intimamente ligado à natureza que o rodeava, expressava de forma espontânea e verdadeira sua espiritualidade. Através de seu instinto sentia a existência do transcendental, sentimento esse que pulsava, de forma nítida, na essência energética daqueles seres simples e ignorantes, vazios de conhecimento, porém plenos de autenticidade. À medida que a civilização humana começou a galgar novos degraus da escala do progresso, deixando cada vez mais de ser instintiva, passou a reprimir para os porões do inconsciente as percepções inatas e verdadeiras. Deixando para trás a infância histórica, passou a humanidade a uma fase da contestação sistemática tal qual o adolescente que recusa a priori os conceitos estabelecidos. Na procura de respostas para as inúmeras indagações que acometem a mente humana, passa a duvidar até mesmo de seus instintos. A crença no extra físico, antes alicerçada na própria naturalidade dos sentimentos inatos, passa a ser substituída pela dúvida e, sobretudo, a exigir participação do racional.
Contudo, o homem moderno, esteja ele ligado à ciência ou à
filosofia, procura cruzar a fronteira do racional e integrar-se aos valores
percebidos por seu próprio psiquismo, de forma subjetiva. O paradigma
mecanicista de Newton vem cedendo lugar à concepção de um universo energético
aberto a outras dimensões. Não mais a atitude infantil do homem primitivo que
apenas, por via inconsciente, aceitava a existência espiritual, nem tampouco a
postura adolescente da rejeição preconceituosa de qualquer referência à
espiritualidade. Estamos no alvorecer não só de um novo século, mas de um novo
milênio. As perspectivas futuras apontam para uma ciência e uma religião não
mais estanques, dogmáticas, preconceituosas e onipotentes. O universo passa a
ser observado e sentido, não mais como uma matéria tridimensional. A
multidimensionalidade da matéria, já admitida pela física moderna, abre as
portas para a percepção da existência do mundo espiritual.
A humanidade já não se satisfaz com os preceitos rígidos das
religiões dominantes. O homem é um ser que indaga e quer saber, afinal, quem é,
de onde vem e para onde vai. A dissociação existente entre a ciência e
religião, verdadeiro abismo criado pelos homens, levou os indivíduos a ter uma
visão fragmentária da vida. Os conselhos religiosos, tão úteis em épocas
remotas, hoje tornam-se defasados em relação à evolução contemporânea . As
orientações dos ministros religiosos foram substituídas pelos médicos,
psicólogos, pedagogos etc... O que frequentemente observamos é a deficiência de
respostas às ansiedades íntimas do indivíduo ou da própria sociedade. O que
lhes falta? Por que profissionais extremamente capacitados, sérios e estudiosos
se sentem limitados para compreender o sofrimento humano?
Por que pessoas justas às vezes sofrem tanto, e
concomitantemente, outras, egoístas, que se comprazem no sofrimento do próximo,
prosperam tanto? Há quem viva semanas, meses ou poucos anos, enquanto outros
vivem quase um século! Por quê? Por que para uns a felicidade constante e para
outros a miséria e o sofrimento inevitável? Por que alguns seriam premiados
pelo acaso com as mais terríveis malformações congênitas? Por que certas
tendências inatas são tão contrastantes com o meio onde surgem? De onde vêm?
Não há como responder a essas questões, conciliando a crença
em uma Lei Universal justa e sábia, se considerarmos apenas uma vida para cada
criatura. O ateísmo e o materialismo são consequências inevitáveis da rejeição
às crenças tradicionais, surgindo, naturalmente, pela recusa inteligente a uma
fé cega em um Ser que preside os fatos da vida sem qualquer critério de
sabedoria, e justiça. A cosmovisão espiritista, alicerçada no conhecimento das
vidas sucessivas, onde residem às causas mais profundas de nossos problemas
atuais, traz-nos respostas coerentes. O conceito de reencarnação propicia uma
ampla lente através da qual poderemos enxergar a problemática das vidas. As
aparentes desigualdades, vivenciadas momentaneamente pelas criaturas, têm
justificativa nos graus diferentes de evolução em que se encontram no momento.
Além disso, sabe-se, pelas leis da reencarnação, que cabe a todas as criaturas
um único destino: a felicidade. A evolução inexorável é feita pelas
experiências constantes e o aprendizado decorrente. Os atos da criatura
ocasionam uma sequência de causas e efeitos que determinam as necessidades da
reencarnação, a si própria, em tal meio ou situação; nunca existe punição;
existe, sim, consequência lógica. Há colheita obrigatória, decorrente da livre
semeadura, e sempre novas oportunidades de semear.
Cada ser leva para a vida espiritual a sementeira do passado,
trazendo-a inconscientemente consigo ao renascer. Se uma existência não for
suficiente para corrigir determinadas distorções, diversas serão necessárias
para resolver uma determinada tendência a longa caminhada da vida. Nossos atos
do dia-a-dia por sua vez, são também novos elementos que se juntam a nosso
patrimônio energético, pois os arquivos que criamos são sempre no nível de
campos de energia, influenciando intensamente, atenuando ou agravando as
desarmonias energéticas estabelecidas pelas vivências anteriores.
A teia de nosso destino, portanto, não é exclusivamente
determinada por nosso passado. O livre-arbítrio que possuímos tece também os
fios dessa teia a cada momento, num dinamismo sempre renovado. A diversidade
infinita das aptidões, ao nível das faculdades e dos caracteres, tem fácil
compreensão. Nem todos os espíritos que reencarnam têm a mesma idade; milhares
de anos ou séculos podem haver na diferença de idade entre dois homens. Além
disso, alguns galgam velozmente os degraus da escada do progresso, enquanto
outros sobem lenta e preguiçosamente.
A todos será dada a oportunidade do progresso pelos retornos
sucessivos. Necessitamos passar pelas mais diversas experiências, aprendendo a
obedecer para sabermos mandar; sentir as dificuldades na pobreza para sabermos
usar a riqueza. Repetir muitas vezes para absorver novos valores e
conhecimentos. Desenvolver a paciência, a disciplina e o desapego aos valores
materiais. São necessárias existências de estudo, de sacrifícios, para
crescermos em ética e conhecimento. Voltamos ao mesmo meio, frequentemente ao
mesmo núcleo familiar, para reparar nossos erros com o exercício do amor. Deus,
portanto, não pune nem premia; é a própria lei da harmonia que preside à ordem
das coisas. Agirmos de acordo com a natureza, no sentido da harmonia, é
prepararmos nossa elevação, nossa felicidade.
Não usamos o termo "salvação", pois historicamente
está vinculado ao salvacionismo igrejista, uma solução que vem de fora. Na
realidade aceitamos a evolução, a sabedoria e a felicidade para todas as
criaturas. "Nenhuma das ovelhas se perderá", disse Jesus. Fazendo-nos
conhecer os efeitos da lei da responsabilidade, demostrando que nossos atos recaem
sobre nós mesmos, estaremos permitindo o desenvolvimento da ordem, da justiça e
da solidariedade social tão almejada por todos.
Ricardo Di Bernardi
(publicado originalmente no Boletim do
GEAE - 459)
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