Diante da insistente afirmação de certos religiosos, convém meditarmos um
pouco: o sangue de Jesus lava realmente os nossos pecados?
Antes de tudo, observemos que essa concepção é um
resquício dos hábitos dos tempos antigos. A própria Bíblia é pródiga em relatos
desses sacrifícios, havendo como meio de honrar a Deus ou demonstrar-Lhe temor
e submissão.
O passar dos séculos aboliu tão monstruosos
costumes, mas seu reflexo chega até os nossos dias, existindo até certos ritos
grotescos que ainda adotam sacrifícios de animais em suas práticas ditas
religiosas. Assim se explica por que certas seitas cristãs ainda se apegam a
essa concepção materializada do sangue do redentor crucificado expungindo as
máculas dos pecadores.
À luz da sã razão, contudo, haverá fundamento em tal
modo de pensar? Evidentemente, não! É sempre o resultado do comodismo humano,
tentando transferir a outrem o aziago produto de nossas iniquidades ou o
esforço que nos compete para empreender nossa evolução.
Logo quem viria derramar o seu sangue, como uma imolação de altar, para salvar os pecadores?! O justo por excelência, o Filho amado e imáculo do Pai, ao passo que nós outros, os verdadeiros culpados, não tendo a suficiente decisão e força moral para arcar com as consequências de nossos erros, nos refugiaríamos numa covarde omissão, preferindo a eterna dependência para com Aquele que teve a coragem de tomar sobre si o peso de nossas seculares defecções?
Logo quem viria derramar o seu sangue, como uma imolação de altar, para salvar os pecadores?! O justo por excelência, o Filho amado e imáculo do Pai, ao passo que nós outros, os verdadeiros culpados, não tendo a suficiente decisão e força moral para arcar com as consequências de nossos erros, nos refugiaríamos numa covarde omissão, preferindo a eterna dependência para com Aquele que teve a coragem de tomar sobre si o peso de nossas seculares defecções?
Há cabeça pensante que possa aceitar tal aberração?
Mas não é apenas o raciocínio que nos força a
retificar concepções nesse sentido, também os fatos. Pois se é o sangue
derramado do divinal Cordeiro que há de operar a ablução da nódoa de nossos
pecados, já devia há muito ter lavado os que tivesse de lavar e deixado de
limpar os que não o pudesse. No entanto, passados que são quase vinte séculos
do seu derramamento, o que é que vemos? A mesma Humanidade ainda suando e
lutando, gemendo e arcando com suas responsabilidades, amealhando cada
indivíduo seu progresso à custa do esforço próprio.
Mas então - indaga-se - por que se vê tão repetida
aquela afirmação, do resgate do pecador pelo poder do sangue do excelso
crucificado? E não asseverou Ele próprio: ‘Isto é o meu sangue, o sangue do
Novo Testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados’ (Mateus
26:28)?
A explicação é fácil, desde que se procure o
espírito que vivifica, em vez da letra que mata. O mal de muitos religiosos,
mormente dentre as seitas reformistas, é que se apegam a uma passagem isolada
das Escrituras e constroem todo o arcabouço de crença e opinião baseado
unicamente nela. No caso em tela, deveriam notar que o versículo seguinte, nº
29. diz assim: “E digo-vos que, desde agora, não beberei deste fruto da vida,
até àquele dia em que o beba de novo convosco no reino de meu Pai”. Isto mostra
que Jesus dirigia suas vistas para o futuro da Humanidade. Não estava
preocupado apenas com os pecados passados e presentes (àquela época) das
ovelhas que o Pai lhe confiara, mas que trabalhava com a leva de alguns bilhões
de almas, que muito tinham ainda que lutar, sofrer e aprender, no curso de
encarnações sucessivas, neste orbe.
O seu sangue não teve, enfim, um valor intrínseco na
remissão dos pecados, mas extrínseco, como um testemunho necessário, em reforço
dos princípios que pregava, dentre os quais se sobressaem o amor, a tolerância,
a humildade e a firmeza na virtude, sustentados até às últimas consequências.
Como ensinava sempre que possível através de
símbolos e ilustrações, aproveitou aquela oportunidade, que seria talvez a
última em fraterno colóquio com os discípulos, antes do drama do calvário, para
encorajá-los, dizendo-lhes que não se atemorizassem com a aparente derrota que
viria com o seu extermínio físico, porquanto essa vida Ela a entregava
conscientemente, como mais um exemplo ‘para remissão de pecados’, isto é, para
que nós mesmos, amparados em suas demonstrações, nos redimamos do jugo do
pecado pelo próprio esforço.
Em suma, o sangue que lava nossos pecados é o nosso
mesmo, repetidamente utilizado ou derramado quantas vezes sejam necessárias,
nas encarnações expiatórias, provacionais ou missionárias, até que um dia
venhamos a alcançar a necessária pureza para usufruir de novo a excelsa
companhia do Mestre, no reino da Luz!..
Lauro F. Carvalho
Reformador (FEB) Abril
1981.
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