domingo, 24 de junho de 2012


TEOLOGIA CLERICAL E DESCALABRO SOCIAL

Repetidas vezes, em livros e conferências, tenho abordado este tema de candente atualidade - e quase sempre me tem valido esta franqueza o título de anticlericaI. Se sou anticlerical, não o sou por mero esporte e caturrice, mas a isto sou Ievado pelo impacto inexorável de fatos que ninguém pode negar.
Tenho afirmado, e continuo a afirmar, que a mais profunda, e a mais ignorada raiz do nosso descalabro social está na falsa educação religiosa, desde a Idade Média, mesmo desde o quarto século da era cristã. Os resíduos dessa falsa, educação desceram do consciente e se depositaram no subconsciente dos povos, sobretudo latino-católicos, e lá no fundo formaram uma vasta estratificação, que atua imperceptivelmente sobre a vida desses povos.
Os povos nórdicos, não-latinos, graças ao seu pronunciado espírito de autonomia, libertaram-se parcialmente dessa teologia clerical, quando, a partir do século XVI, sacudiram o jugo da tutela de Roma, sede dessa infeliz Ideologia.
A teologia clerical não obriga seus adeptos a serem internamente honestos; pode o católico cometer qualquer pecado, durante a vida inteira; mas, se se arrepender no fim da vida e receber absolvição sacramental pelo clero, está limpo, como se nunca estivera sujo. Se sobrar alguma "pena temporária" a ser expiada no purgatório, qualquer amigo, aqui na terra, a poderá cancelar, mediante uma rápida e cômoda "indulgência plenária". Portanto, não é necessário que o católico evite os pecados, com sacrifícios, honestidade e justiça. Para que esses sacrifícios, se sem sacrifício algum pode conseguir o mesmo efeito? A lei do menor esforço predomina na natureza inteira; e por que deveria o homem sujeitar-se a 50 anos de honestidade difícil, não mentindo, não roubando, não defraudando, se pode conseguir o mesmo efeito em 5 minutos de arrependimento, no fim da vida? Mesmo no caso que esteja inconsciente e não possa confessar-se, a Extrema-Unção, como afirma a teologia, produz o mesmo efeito no moribundo, e a indulgência plenária de um amigo completará, sem sacrifício algum, o que, porventura, falte ainda para a entrada no céu.
Esta teologia comodista, adotada por centenas de milhões de homens, é um convite para todas as desonestidades durante a vida terrestre. Por isto, pode o católico viver despreocupado, no meio dos seus pecados, porque a presença do padre, chaveiro do céu, lhe garante a salvação.
O protestante não se libertou totalmente dessa ideologia funesta, mas reduziu a extrema facilidade da salvação do católico e estabeleceu um método um pouco mais difícil; pois, um ato de fé no sangue redentor de Jesus é menos garantido do que uma confissão da parte do penitente e a absolvição do padre.
Semelhante ideologia é flagrantemente antiética e forma o substrato da consciência desses povos, impossibilitando o triunfo do reino de Deus aqui na terra.
Ora, onde não há consciência de honestidade interna não pode haver verdadeira prosperidade. É fato que os povos latinos, mais afetados por essa infeliz teologia, andam sempre de reboque dos povos nórdicos, onde penetrou mais profundamente a ética sadia do Evangelho.
Sobretudo aqui no Brasil - proclamado aos quatro ventos como sendo "a maior nação católica do mundo" o descalabro social atingiu proporções calamitosas, sobretudo nas classes dominantes. Governo e funcionalismo público, geralmente falando, não se julgam responsáveis perante o povo; recebem o seu salário mensal, produto do suor do povo, e não se julgam obrigados a prestar à nação os serviços correspondentes a esse dinheiro, que vem do povo. A mais clamorosa falta de consciência caracteriza quase todos os departamentos da administração pública, federal, estadual, municipal.
Se o Brasil conseguisse um período, digamos, de 5 anos de administração 100% honesta, estaríamos totalmente livres da inflação interna e da dívida externa. Mas isto exigiria a presença de meia dúzia de homens auto realizados, ou em vias de auto realização - e onde estão esses homens?
Esses homens deviam possuir, em uma só pessoa, dois atributos raríssimos:
1) competência
2) honestidade. Por vezes, encontramos pessoas competentes não-honestas, como também pessoas honestas não-competentes - mas seria verdadeiro milagre encontrar um homem ao mesmo tempo 100% competente e honesto.
No meu livro "Novos rumos para a educação", pus o dedo na ferida, fiz o diagnóstico do mau número um do Brasil e do mundo, e sugeri também o remédio único ao grande mal.
Mas quem estaria disposto a tomar o remédio?
A única crise real que existe no Brasil, e alhures, é a crise de consciência...
As nossas teologias eclesiásticas dominantes relegaram para após-morte o triunfo do reino de Deus, e assim dispensaram seus adeptos de qualquer esforço sério de o realizar, pelo menos inicialmente, aqui na terra, como exigia o Cristo.
A sociedade humana de hoje é composta de duas classes: os exploradores e os explorados. Aos exploradores prometem os nossos teólogos a salvação, contanto que deem uma percentagem dos seus roubos para fins religiosos ou beneficentes, enquanto os explorados recebem a magra consolação de sofrerem mais uns 10, 20 ou 50 anos, porque é pelo sofrimento que o homem se salva, e Jesus foi o maior dos sofredores.
E assim as nossas teologias conseguem narcotizar as consciências de exploradores e dos explorados, perpetuando o status quo da nossa infeliz humanidade e impossibilitando o advento do reino de Deus sobre a face da terra. "Guias cegos guiando outros cegos" - não repetiria o Cristo estas mesmas palavras aos nossos guias espirituais, essas palavras candentes com que ele fulminou os guias espirituais de Israel? Será que alguma coisa mudou?
Enquanto o nosso cristianismo continua a trair o Cristo - sob a bandeira do Cristo! - não há esperança de melhores dias para a humanidade.

Huberto Rohden
“Roteiro Cósmico” (Ed. Freitas Bastos 1966)

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