O mal sempre acompanhou o homem, sempre esteve
concretamente em sua vida por meio de suas manifestações objetivas; a dor e o
sofrimento. Os vulcões e os terremotos, os tsunames, os tornados, as epidemias,
as doenças crônicas são as formas mais comuns do que poderíamos chamar de mal
natural ou físico. Ao lado deste tipo de mal, há um outro que vamos chamar de
mal moral, ou seja, mal que tem por causa os desvios da conduta humana como: os
homicídios, roubos e furtos, a perversidade, a traição e a mentira, entre
outros.
Assim que o homem foi capaz de pensar
teologicamente, surgiu à necessidade de se explicar a origem do mal e esta
foram atribuídas aos deuses já que eles eram considerados os autores de todas
as coisas existentes, boas ou más. A medida, porém, que a teologia foi se
sofisticando, houve também uma depuração de conceito de Deus, chegando-se ao
deus único que seria infinitamente bom e justo. Então, uma outra questão é
posta: como um deus infinitamente justo e bom poderia ter criado o mal? A
questão era muito antiga. Já Epicuro de Samos, no século IV, colocava a seguinte
questão: ou Deus quer acabar com o mal e não pode ou pode, mas não quer. No
primeiro caso é fraco e incapaz e no segundo é perverso e mau, qualidades
impossíveis de serem atribuídas a Deus. A solução encontrada por Epicuro foi a
seguinte: os deuses existem, são feitos de átomos sutilíssimos e vivem em
regiões longínquas do espaço infinito em estado de eterna felicidade e por isso
não se ocupam dos negócios humanos nem para o bem nem para o mal.
Foi esta idéia que, no século XIX, o poeta dos
escravos Antônio Castro Alves resgatou em versos condoreiros em seu poema Vozes
da África.
Deus, ó Deus onde estás que não respondes.
Em que sol, em que estrelas tu te escondes?
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito.
Que embalde, desde então percorre o infinito.
Onde estás, onde estás Senhor Deus?
Nesse poema, o poeta dá voz à África e esta
questiona Deus que, sem argumentos, se esconde embuçado nos céus. Assim,
voltamos à questão epicurista: Deus quer acabar com o sofrimento dos escravos,
mas não pode ou pode, mas não quer.
Para resolver esta questão, na Idade-Média, a
igreja Romana tomou do profeta Zoroastro ou Zaratustra a idéia de um demônio
metafísico chamado Arhiman que disputa com Ormusd, o deus do bem, a alma do
homem. Assim, transfere-se para o demônio a responsabilidade do mal no mundo.
Esta não foi uma boa solução uma vez que
levava a uma outra questão: quem criou o diabo? A resposta lógica é a seguinte:
se Deus criou todos os seres existentes tanto na ordem física quanto na ordem
metafísica e o diabo existe, logo Deus criou o diabo; entretanto, é impossível
que um deus infinitamente bom e justo tenha criado um ser voltado para o mal;
ora se Deus não pode ter criado o diabo nem o diabo pode ter criado a si mesmo,
logo o diabo não existe.
Para buscar uma solução para este problema, os
teólogos inventaram o mito dos anjos rebeldes.
Segundo esta narrativa Deus não teria criado o
diabo, mas apenas os anjos que eram bons e perfeitos, porém, um dia, um deles,
exatamente o mais belo, por nome de Lúcifer, revoltou-se contra o seu criador e
chefiou um motim no céu. Deus mandou contra os revoltados as suas milícias
celestes e venceu os rebeldes que foram expulsos das regiões celestes e enviado
para o inferno, uma região equivalente ao tártaro da mitologia grega.
Examinemos com maior cuidado este mito. Os
anjos se rebelam contra Deus. Muito bem. Mas como é possível que alguém se
rebele contra a perfeição? Dizem os defensores desta tese que o motivo da
rebelião não estava em Deus, mas nos próprios revoltados. Ora, se eles tinham a
semente da revolta e do mal em si, logo foram criado imperfeitos e estamos de
volta à questão que desejamos evitar, ou seja, um Deus bom criando o mal, um
Deus perfeito criando a imperfeição.
Como se pode ver, com facilidade, este mito
não resiste a menor crítica. Fiquemos, portanto com a Doutrina dos Espíritos
que, em um livro notável, intitulado O Céu e O Inferno, negando tanto a
existência dos anjos bons como a dos anjos maus ou demônios, desviando-se do
mito tradicional, apresenta o demônio não como um Espírito condenado
eternamente ao mal mas como Espíritos que, usando seu livre arbítrio
afastaram-se do bem. Este afastamento não é eterno e vai depender dos esforços
que eles fizerem na direção da luz.
Texto retirado do
Jornal Correio Espírita de Maio/07
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