Lucas, 17:1-2 = Marcos, 9:42-50 = Mateus, 18:6-11
Freqüentemente,
em seus diálogos com os discípulos, Jesus usava simbolismo, cujo alcance
assimilamos melhor na medida em que nos desenvolvemos nos domínios do
conhecimento espiritual.
A
contribuição espírita, neste particular, é fundamental, ajudando-nos a
desenvolver olhos de ver e ouvidos de ouvir. É o que ocorre nas advertências de
Jesus sobre os escândalos:
–
Se alguém escandalizar a um destes pequenos que crêem em mim, melhor fora que
lhe atassem ao pescoço uma dessas mós que um asno faz girar e que o lançassem
no fundo do mar.
Quem
aprecia palavras cruzadas conhece o substantivo mó, dos mais usados nesse
instrutivo passatempo.
É
pedra de moinho, engenho para triturar cereais.
O
moinho tradicional tem duas mós em forma de roda, uma sobre a outra. A maior
por baixo, fixa. A menor, por cima, com um eixo no centro que lhe permite
girar. A debaixo, côncava. A de cima, convexa. Ambas se justapõem.
O
cereal é jogado por um orifício, entre as duas. Girando, a de cima esmaga o
cereal. Surge a farinha, a escorrer pelas bordas.
Todo
lar judeu tinha suas mós. Serviço diário, ao cuidado das mulheres. As casas
abastadas usavam mós maiores. A tração era feita por burros.
Eram
tão importantes que a Lei proibia usá-las como garantia para empréstimos.
Há,
em Deuteronômio (24:6), poética orientação:
Não
tomarás em penhor ambas as mós, nem mesmo a mó de cima, pois se penhoraria
assim a vida.
Indulgente
com as misérias humanas, Jesus era inflexível com aqueles que, ensinando a
religião, sustentavam, secretamente, um comportamento imoral, capaz de chocar
os catecúmenos.
Fiquemos
tranqüilos. Trata-se de uma “palavrona”, não de um palavrão.
Também
conhecida pelos cruzadistas, reporta-se aos iniciantes religiosos.
Jesus
os chamava pequeninos.
Como
se sentirá o catecúmeno ao tomar conhecimento dos desvios daqueles que o
instruem na religião, comprometendo-se na imoralidade e na desonestidade?
Por
fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento.
Um
comportamento assim pode ser desastroso, porquanto, em sua insipiência, os
catecúmenos tendem a confundir a religião com o religioso.
Certa
feita conversei com uma senhora, cujo marido compareceu algumas vezes ao Centro
Espírita. Desistiu, horrorizado, ao ter conhecimento de que o presidente era
velho conhecido, alguém de comportamento incompatível com sua posição.
Cultivava aventuras extraconjugais.
Quantos
catecúmenos esse dirigente terá afastado com seus maus exemplos?!
Jesus
lembra as pedras de moinho para alertar quanto à responsabilidade dos que,
fazendo-se depositários da religião, não vivem seus princípios.
Melhor
seria que lhes atassem ao pescoço uma dessas mós maiores, puxadas por burros, e
fossem lançados no mar.
A
morte sempre é encarada com temor. Para muitos é o que de pior pode acontecer.
Daí
a advertência:
Devemos
ter menos medo de morrer do que de nos comprometer nesses desvios.
Mestre prossegue:
–
Ai do Mundo por causa dos escândalos; porque é inevitável que venham
escândalos; mas ai do homem por quem o escândalo venha.
No
sentido genérico, escândalo é a revelação de algo não compatível com a moral e
os bons costumes.
Causa
impacto junto à opinião pública, envolvendo várias situações:
•
Governo corrupto.
•
Funcionário desonesto.
•
Político venal.
•
Falso religioso.
•
Adúltero contumaz.
Na
atualidade, isso tudo aparece em larga escala, chocando as pessoas,
principalmente em relação à corrupção.
Parece
institucionalizada. Envolve todos os setores da sociedade.
– É
o fim do mundo! Está tudo perdido! – dizem as pessoas, estarrecidas.
Trata-se
de um equívoco.
Sempre
existiu a corrupção.
A
diferença é que no passado não havia liberdade de imprensa nem rigores na
fiscalização.
Aparecia
menos.
Quando
troveja a verdade, desvelando o comportamento desonesto, a opinião pública é
mobilizada, impondo mudanças.
O
escândalo, portanto, embora chocante e desolador, funciona como um tumor
lancetado.
Põe as impurezas para fora, favorecendo a cura do mal.
Põe as impurezas para fora, favorecendo a cura do mal.
Não
obstante útil e necessário ai daquele cujo comportamento lhe dá origem. Poderá
até furtar-se às suas responsabilidades perante os homens, mas não escapará da
Justiça Divina.
Na
vida atual, na vida espiritual ou em vida futura, amargas retificações lhe serão
impostas.
Sofrerá
muito mais do que se lhe atassem uma mó ao pescoço e o atirassem ao mar.
Acentua
Jesus:
–
Portanto, se a tua mão ou o teu pé é objeto de escândalo, corta-o e lança o
fora de ti; melhor é entrares na vida manco ou aleijado, do que, tendo duas
mãos ou dois pés, seres lançado no fogo eterno.
–
Se um dos teus olhos é objeto de escândalo, arranca-o e lança-o fora de ti;
melhor é entrares na vida com um só dos teus olhos, do que, tendo dois, seres
lançado no inferno de fogo.
Estas
vigorosas imagens ressaltam a necessidade de contermos nossos impulsos
inferiores, as nossas tendências viciosas, o que seja passível de prejudicar,
influenciar negativamente ou chocar alguém.
Segundo
a expressão evangélica, nossos comprometimentos morais nos precipitarão no fogo
do inferno.
Naturalmente,
é preciso definir o que isso representa, para não cairmos na fantasia medieval
de uma fogueira onde as almas ardem em sofrimento perene, sem jamais se
consumirem.
A
própria teologia ortodoxa admite, hoje, que as chamas do inferno simbolizam os
tormentos da consciência culpada, na Terra ou no Além.
Essas
labaredas ardentes chamam-se angústia, insatisfação, tristeza, desequilíbrio,
enfermidade, que nos perturbam hoje, em face de nossos desvios de ontem, na
presente existência ou em existências anteriores.
Podemos
situar as afirmativas de Jesus como uma hipérbole, termo também familiar aos
cruzadistas.
Trata-se de enfatizar uma realidade, exagerando-a.
Trata-se de enfatizar uma realidade, exagerando-a.
•
Desejo de comer o fígado de alguém – grande raiva.
•
Derramar rios de lágrimas – grande tristeza.
•
Coração de pedra – grande insensibilidade.
•
Furor de um tigre – grande agressividade.
•
Vulcão na cabeça – grande tensão.
A
hipérbole de Jesus dramatiza a situação do indivíduo tão comprometido com o mal
que necessita de recurso mais enérgico, a fim de redimir-se.
O
entrar na vida equivale ao nascer de novo, do diálogo com Nicodemos, em que
Jesus situa a reencarnação como indispensável à nossa evolução.
O
Espírito poderá reencarnar com limitações físicas e mentais que inibem suas
tendências inferiores e impõem o resgate de seus débitos, a fim de que se
liberte do inferno da consciência culpada.
É
bom esclarecer, leitor amigo:
Não
pretendo que essas limitações, que todos temos em maior ou menor intensidade,
definam nosso grau de comprometimento diante das leis divinas.
Evitemos
a equivocada idéia de que quanto maior a deficiência, maior o saldo devedor, no
balanço evolutivo.
Todos
temos débitos do pretérito que justificam quaisquer limitações. Não obstante,
estas se manifestam em maior ou menor intensidade, segundo programas
instituídos por Deus, guardando compatibilidade com nossas necessidades e nossa
capacidade de enfrentar desafios.
Estaremos
sujeitos a elas enquanto vivermos na Terra, até que nos libertemos em
definitivo de nossas mazelas, habilitando-nos a viver em planos mais altos do
infinito, em regiões alcandoradas, usando corpos celestes, segundo a expressão
do apóstolo Paulo. Então nos isentaremos das deficiências, limitações e
desgastes que caracterizam o veículo de matéria densa que usamos no trânsito
pela carne.
Difícil
definir quanto tempo semelhante realização demandará, quantas vezes nos
submeteremos a pesadas mós que triturem nossas mazelas.
Mas
algo podemos afirmar, sem sombra de dúvida:
Tanto
mais breve será, quanto maior o nosso empenho em não nos envolvermos num
comportamento capaz de produzir escândalos, o barulho da verdade a desmascarar
a hipocrisia humana.
Richard Simonetti
Reformador Mar/2001
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