sábado, 26 de maio de 2012

O BARULHO DA VERDADE




Lucas, 17:1-2 = Marcos, 9:42-50 = Mateus, 18:6-11

Freqüentemente, em seus diálogos com os discípulos, Jesus usava simbolismo, cujo alcance assimilamos melhor na medida em que nos desenvolvemos nos domínios do conhecimento espiritual.
A contribuição espírita, neste particular, é fundamental, ajudando-nos a desenvolver olhos de ver e ouvidos de ouvir. É o que ocorre nas advertências de Jesus sobre os escândalos:
– Se alguém escandalizar a um destes pequenos que crêem em mim, melhor fora que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós que um asno faz girar e que o lançassem no fundo do mar.
Quem aprecia palavras cruzadas conhece o substantivo mó, dos mais usados nesse instrutivo passatempo.
É pedra de moinho, engenho para triturar cereais.
O moinho tradicional tem duas mós em forma de roda, uma sobre a outra. A maior por baixo, fixa. A menor, por cima, com um eixo no centro que lhe permite girar. A debaixo, côncava. A de cima, convexa. Ambas se justapõem.
O cereal é jogado por um orifício, entre as duas. Girando, a de cima esmaga o cereal. Surge a farinha, a escorrer pelas bordas.
Todo lar judeu tinha suas mós. Serviço diário, ao cuidado das mulheres. As casas abastadas usavam mós maiores. A tração era feita por burros.
Eram tão importantes que a Lei proibia usá-las como garantia para empréstimos.
Há, em Deuteronômio (24:6), poética orientação:
Não tomarás em penhor ambas as mós, nem mesmo a mó de cima, pois se penhoraria assim a vida.
Indulgente com as misérias humanas, Jesus era inflexível com aqueles que, ensinando a religião, sustentavam, secretamente, um comportamento imoral, capaz de chocar os catecúmenos.
Fiquemos tranqüilos. Trata-se de uma “palavrona”, não de um palavrão.
Também conhecida pelos cruzadistas, reporta-se aos iniciantes religiosos.
Jesus os chamava pequeninos.
Como se sentirá o catecúmeno ao tomar conhecimento dos desvios daqueles que o instruem na religião, comprometendo-se na imoralidade e na desonestidade?
Por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento.
Um comportamento assim pode ser desastroso, porquanto, em sua insipiência, os catecúmenos tendem a confundir a religião com o religioso.
Certa feita conversei com uma senhora, cujo marido compareceu algumas vezes ao Centro Espírita. Desistiu, horrorizado, ao ter conhecimento de que o presidente era velho conhecido, alguém de comportamento incompatível com sua posição. Cultivava aventuras extraconjugais.
Quantos catecúmenos esse dirigente terá afastado com seus maus exemplos?!
Jesus lembra as pedras de moinho para alertar quanto à responsabilidade dos que, fazendo-se depositários da religião, não vivem seus princípios.
Melhor seria que lhes atassem ao pescoço uma dessas mós maiores, puxadas por burros, e fossem lançados no mar.
A morte sempre é encarada com temor. Para muitos é o que de pior pode acontecer.
Daí a advertência:
Devemos ter menos medo de morrer do que de nos comprometer nesses desvios.
 Mestre prossegue:
– Ai do Mundo por causa dos escândalos; porque é inevitável que venham escândalos; mas ai do homem por quem o escândalo venha.
No sentido genérico, escândalo é a revelação de algo não compatível com a moral e os bons costumes.
Causa impacto junto à opinião pública, envolvendo várias situações:
• Governo corrupto.
• Funcionário desonesto.
• Político venal.
• Falso religioso.
• Adúltero contumaz.
Na atualidade, isso tudo aparece em larga escala, chocando as pessoas, principalmente em relação à corrupção.
Parece institucionalizada. Envolve todos os setores da sociedade.
– É o fim do mundo! Está tudo perdido! – dizem as pessoas, estarrecidas.
Trata-se de um equívoco.
Sempre existiu a corrupção.
A diferença é que no passado não havia liberdade de imprensa nem rigores na fiscalização.
Aparecia menos.
Quando troveja a verdade, desvelando o comportamento desonesto, a opinião pública é mobilizada, impondo mudanças.
O escândalo, portanto, embora chocante e desolador, funciona como um tumor lancetado.
Põe as impurezas para fora, favorecendo a cura do mal.
Não obstante útil e necessário ai daquele cujo comportamento lhe dá origem. Poderá até furtar-se às suas responsabilidades perante os homens, mas não escapará da Justiça Divina.
Na vida atual, na vida espiritual ou em vida futura, amargas retificações lhe serão impostas.
Sofrerá muito mais do que se lhe atassem uma mó ao pescoço e o atirassem ao mar.
Acentua Jesus:
– Portanto, se a tua mão ou o teu pé é objeto de escândalo, corta-o e lança o fora de ti; melhor é entrares na vida manco ou aleijado, do que, tendo duas mãos ou dois pés, seres lançado no fogo eterno.
– Se um dos teus olhos é objeto de escândalo, arranca-o e lança-o fora de ti; melhor é entrares na vida com um só dos teus olhos, do que, tendo dois, seres lançado no inferno de fogo.
Estas vigorosas imagens ressaltam a necessidade de contermos nossos impulsos inferiores, as nossas tendências viciosas, o que seja passível de prejudicar, influenciar negativamente ou chocar alguém.
Segundo a expressão evangélica, nossos comprometimentos morais nos precipitarão no fogo do inferno.
Naturalmente, é preciso definir o que isso representa, para não cairmos na fantasia medieval de uma fogueira onde as almas ardem em sofrimento perene, sem jamais se consumirem.
A própria teologia ortodoxa admite, hoje, que as chamas do inferno simbolizam os tormentos da consciência culpada, na Terra ou no Além.
Essas labaredas ardentes chamam-se angústia, insatisfação, tristeza, desequilíbrio, enfermidade, que nos perturbam hoje, em face de nossos desvios de ontem, na presente existência ou em existências anteriores.
Podemos situar as afirmativas de Jesus como uma hipérbole, termo também familiar aos cruzadistas.
Trata-se de enfatizar uma realidade, exagerando-a.
• Desejo de comer o fígado de alguém – grande raiva.
• Derramar rios de lágrimas – grande tristeza.
• Coração de pedra – grande insensibilidade.
• Furor de um tigre – grande agressividade.
• Vulcão na cabeça – grande tensão.
A hipérbole de Jesus dramatiza a situação do indivíduo tão comprometido com o mal que necessita de recurso mais enérgico, a fim de redimir-se.
O entrar na vida equivale ao nascer de novo, do diálogo com Nicodemos, em que Jesus situa a reencarnação como indispensável à nossa evolução.
O Espírito poderá reencarnar com limitações físicas e mentais que inibem suas tendências inferiores e impõem o resgate de seus débitos, a fim de que se liberte do inferno da consciência culpada.
É bom esclarecer, leitor amigo:
Não pretendo que essas limitações, que todos temos em maior ou menor intensidade, definam nosso grau de comprometimento diante das leis divinas.
Evitemos a equivocada idéia de que quanto maior a deficiência, maior o saldo devedor, no balanço evolutivo.
Todos temos débitos do pretérito que justificam quaisquer limitações. Não obstante, estas se manifestam em maior ou menor intensidade, segundo programas instituídos por Deus, guardando compatibilidade com nossas necessidades e nossa capacidade de enfrentar desafios.
Estaremos sujeitos a elas enquanto vivermos na Terra, até que nos libertemos em definitivo de nossas mazelas, habilitando-nos a viver em planos mais altos do infinito, em regiões alcandoradas, usando corpos celestes, segundo a expressão do apóstolo Paulo. Então nos isentaremos das deficiências, limitações e desgastes que caracterizam o veículo de matéria densa que usamos no trânsito pela carne.
Difícil definir quanto tempo semelhante realização demandará, quantas vezes nos submeteremos a pesadas mós que triturem nossas mazelas.
Mas algo podemos afirmar, sem sombra de dúvida:
Tanto mais breve será, quanto maior o nosso empenho em não nos envolvermos num comportamento capaz de produzir escândalos, o barulho da verdade a desmascarar a hipocrisia humana.

Richard Simonetti
Reformador Mar/2001

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